As tecnologias de comunicação embarcada em veículos tornaram-se onipresentes nos principais fabricantes da indústria automotiva, sendo adotadas de forma ampla em todos os seus projetos. Esse padrão de desenvolvimento de arquiteturas eletrônicas veiculares, baseado em redes de bordo, não se limita apenas aos veículos leves; ele também se estende de maneira significativa aos setores de veículos pesados e agrícolas.
Mas, o que exatamente são essas redes de bordo? Em essência, as redes de bordo são sistemas de interconexão para circuitos eletrônicos, incluindo unidades de controle eletrônico (ECUs), simplificando a maneira como os dados são transmitidos e compartilhados. O conceito de transmitir dados aqui não se refere apenas à passagem de eletricidade através de cabos e fios. Dentro de uma rede de bordo, ocorre algo mais intrigante, quase imperceptível à primeira vista.
Essas redes funcionam por meio de pulsos elétricos previamente modulados, organizados em uma sequência lógica, que são encapsulados em pacotes de dados. Estes pacotes de dados seguem um protocolo de comunicação específico, garantindo que as mensagens sejam transmitidas e recebidas de acordo com regras bem definidas. Este método elaborado de transmissão e recebimento de informações é o que constitui uma rede de bordo, uma tecnologia complexa e vital que se tornou a espinha dorsal da indústria automotiva moderna.
Para entender melhor esse conceito de protocolo de comunicação, podemos compará-lo a uma linguagem. Quem se lembra dos antigos filmes de guerra certamente conhece o famoso código Morse, um sistema em que uma sequência de pulsos elétricos era gerada manualmente. Uma vez recebidos do outro lado (o receptor), esses pulsos eram decodificados e interpretados de acordo com as regras definidas pelo protocolo. Em outras palavras, seguindo determinadas sequências lógicas e frequências de pulsos elétricos, eles se transformavam em letras, que então eram organizadas para formar palavras, definindo assim a mensagem. Assim, usando pulsos elétricos, os seres humanos descobriram há muito tempo que é possível criar protocolos de comunicação, transmitir mensagens e até mesmo desenvolver algoritmos.
Com o advento da tecnologia digital, esse formato de comunicação se expandiu de maneira exponencial. A indústria automotiva, é claro, não ficou para trás e adotou essa ideia de arquitetura eletrônica para construir redes de dados, simplificando não apenas a construção dos cabos elétricos, mas também permitindo a implementação de funcionalidades que seriam impossíveis em arquiteturas de cabos elétricos convencionais, sem o uso de protocolos de comunicação.
A rede de bordo interconectada representa uma malha de comunicação entre sistemas e unidades de controle eletrônico (ECUs). Devido a essas múltiplas conexões, muitos fabricantes se referem a esse tipo de arquitetura como “rede multiplexada”, onde os dados fluem entre diferentes unidades de controle eletrônico. Para garantir a prioridade dos dados, ou seja, determinar qual informação é mais importante em momentos específicos, todo sistema multiplexado conta com uma ECU designada para atuar como unidade central de eletrônica. Em algumas situações, essa função pode ser compartilhada por uma ECU já presente na arquitetura eletrônica. Além disso, todas as ECUs nesse sistema mantêm uma conexão com a unidade eletrônica de conforto (ZE), que desempenha o papel de unidade central de eletrônica e também executa funções relacionadas ao conforto do veículo. Tecnicamente, essa unidade central de eletrônica também pode ser chamada de Gateway, como é conhecida na literatura técnica.
Como mencionado anteriormente, a unidade central de eletrônica ou Gateway desempenha um papel crucial ao interconectar todas as redes de dados presentes em um veículo. É importante notar que essa unidade deve ser capaz de se conectar com várias redes de dados diferentes que coexistem no mesmo veículo. Essas diversas redes utilizam protocolos de dados distintos, o que significa que a unidade de eletrônica central ou Gateway não apenas se comunica com todas as outras unidades de controle eletrônico (ECUs), mas também age como um “tradutor” de dados entre os diferentes protocolos de comunicação presentes no veículo.
No início, mencionamos muito sobre protocolos de comunicação sem explicar completamente o que isso implica ou como essa lógica opera. Vamos analisar um exemplo para entender melhor esse conceito. Existem vários protocolos de comunicação, cada um com sua própria arquitetura de rede. Cada protocolo define seus próprios níveis de tensão operacional (tipos de pulsos e sinais) que, quando agrupados, formam os pacotes de dados. No entanto, esses pacotes de dados com seus níveis de sinais correspondentes só fazem sentido dentro de um protocolo de comunicação específico.
Entre os principais protocolos utilizados na indústria automotiva estão os sistemas CAN, LIN, MOST e FlexRay. É importante mencionar que há diversos outros sistemas multiplexados e, sem dúvida, muitos outros serão desenvolvidos no futuro. Para ilustrar esse processo de interpretação de um protocolo, podemos considerar o sistema de maior aplicação automotiva, a Rede CAN BUS. Vamos analisar a lógica de interpretação desse protocolo com mais detalhes.
Uma mensagem no protocolo CAN BUS é composta por várias etapas (campos), sendo que cada uma dessas etapas utiliza unidades de informação (bits), como qualquer outro dado informático. No caso do protocolo CAN BUS, o primeiro campo (Start of Frame) anuncia o início da transmissão de dados. Em seguida, no campo de Arbitration, determina-se a prioridade das mensagens: por exemplo, um dado enviado pela unidade do sistema de freios antibloqueio (ABS) não tem a mesma importância que a temperatura do ar externo, especialmente em termos de criticidade e velocidade de variação desses dados. O próximo passo envolve o campo de Controle (Control), que representa a quantidade de dados contidos na mensagem. Em seguida, vem o campo de Dados (Data), que representa o conteúdo real da mensagem, como as rotações por minuto (RPM) do motor, a temperatura do óleo ou a velocidade da roda dianteira esquerda, por exemplo.
É importante notar que a quantidade de bits no campo de Dados pode variar dependendo do tipo de informação transmitida. No campo de CRC, possíveis erros na mensagem são identificados, enquanto no campo de ACK, o emissor é notificado de que a mensagem foi entregue de forma intacta. Com base nesse campo, é possível deduzir que as comunicações em uma rede funcionam bidirecionalmente. Para concluir o pacote de dados, o processo é finalizado com o campo de End of Frame, deixando a Unidade de Controle Eletrônico (ECU) pronta para processar uma nova mensagem.
A forma como as unidades se comunicam, conhecida como barramento, estabelece um caminho ou rota para os dados. Pode-se imaginar isso como um ônibus que segue uma rota com diferentes pontos pré-determinados onde as pessoas sobem e descem. Na nossa analogia, dados sobem e descem desse “ônibus”, sendo essa a razão pela qual esse tipo de arquitetura é chamado de “BUS”. A rede CAN BUS replica a informação em dois níveis de tensão (High = Alto e Low = Baixo). Esses níveis de tensão, juntamente com os formatos de sinais, são aspectos cruciais que analisamos do ponto de vista do diagnóstico.
TRABALHANDO COM REDES DE BORDO
Ao realizar diagnósticos e analisar o funcionamento adequado das redes de bordo, é imperativo considerar a vasta gama de sistemas encontrados no mercado, conforme discutido anteriormente. Para os técnicos automotivos, o aspecto mais crucial é a disponibilidade de informações técnicas. Especificamente, o foco principal está na disponibilidade de dados técnicos, esquemas elétricos das diversas redes presentes no veículo, bem como na localização das unidades de controle e no tipo de resistência usada no barramento de cada rede.
A informação sobre as resistências que atuam como componentes finais do barramento é de particular importância em muitos sistemas, sendo comum encontrar duas resistências de final de barramento de 120 ohms em sistemas CAN-BUS. Estas resistências desempenham um papel crucial no diagnóstico, permitindo medir a integridade física da rede. Ao aplicar a Lei de Ohm para calcular a resistência resultante de uma associação de resistências em circuitos elétricos, uma análise precisa pode ser realizada.
Por exemplo, em um barramento de uma rede CAN HS (Rede CAN de Alta Velocidade – High Speed), entre as linhas CAN H e CAN L, deve haver uma resistência aproximada de 60 ohms. Isso garante que os elementos finais (as resistências) estão dentro dos valores especificados, indicando que o circuito está em boas condições operacionais. Se houver um final de linha aberto no circuito, o valor já não será mais 60 ohms; em vez disso, assumirá o valor individual de uma das linhas (com sua respectiva resistência). Nesse cenário, essa resistência não mais dividirá os valores por meio da associação de resistências no circuito, e a medição mostrará um valor de 120 ohms.
É crucial observar que essa lógica específica não pode ser aplicada indiscriminadamente a qualquer sistema de rede. O conhecimento detalhado do funcionamento e das especificações do sistema é fundamental para uma interpretação precisa desses dados de resistência e para um diagnóstico eficaz.
Agora que discutimos a medição da resistência da rede e como identificar redes que utilizam dois fios trançados visualmente, vamos explorar como os sinais em uma rede de bordo são medidos. Para realizar essa análise, é essencial usar um osciloscópio, pois o que discutimos anteriormente sobre frequências de pulsos transformados em linguagem (protocolos) é precisamente o que será medido e analisado durante o diagnóstico.
Ao medir os sinais, não é possível determinar o conteúdo específico de um pacote de dados ou mensagem. No entanto, é possível identificar se o padrão do sinal elétrico corresponde ao tipo de rede que está sendo analisada. Além disso, é possível verificar se os padrões de sinais (que são um reflexo indireto das mensagens) estão sendo transmitidos de forma intacta na rede, sem alterações que denotem falhas. A necessidade de usar um osciloscópio é técnica; ela surge devido à velocidade com que os eventos ocorrem em uma rede de bordo. Esses eventos são extremamente rápidos em termos de tempo, o que torna impossível realizar medições precisas com um multímetro devido ao seu baixo nível de resolução, que não permite a interpretação adequada dos sinais em sistemas desse tipo.